domingo, 14 de junho de 2015

Manifesto da Frente Terra e Autonomia

Companheiras e companheiro de luta, abaixo apresentamos o Manifesto da FTA, que é o documento em que nos apresentamos e que traça o nosso posicionamento na luta em que nos inserimos.

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Vivemos em uma sociedade que transforma as diferenças em desigualdades. Essa sociedade é fundamentada em um histórico de opressões, que resultaram em um contexto permeado por desigualdades econômicas, sociais e políticas. A imposição de hierarquizações culturais, étnicas, de gênero e orientação sexual são mantidas e potencializadas pelos sistemas político e econômico de natureza capitalista. Essas opressões são diariamente combatidas por pessoas que sofrem diretamente com tais consequências, e é nesse sentido antiautoritário que a FTA se constitui, se organiza e atua.

A democracia representativa vende a ideia de que o Estado é a expressão do povo e orientado por decisões populares. No entanto, o aparelho Estatal é impróprio na medida em que subtrai da sociedade o debate, o entendimento e a capacidade decisória dos rumos de nossas próprias vidas, seja no que tange a ação individual ou coletiva. Na prática, o que acontece é que o Estado serve à manutenção de interesses e privilégios daqueles que detêm instrumentos de dominação econômica, política e simbólica. A consequência prática dessa dominação é o autoritarismo. Sendo o autoritarismo a neutralização das capacidades e condições das pessoas na construção dos rumos de suas vidas e da sociedade, nos opomos a todas as estruturas e relações que nele se baseiam.
Uma lógica de manutenção da vida que se baseia na acumulação de capital por uma pequena parcela da população – nas formas de dinheiro, conhecimento técnico, fábricas, terra, dentre outras – é em sua essência, injusta. Isso porque ela necessariamente implica no acúmulo financeiro, fundiário e imobiliário em poucas mãos, enquanto muitas pessoas são alijadas de condições minimamente dignas de vida: um lugar pra morar, por exemplo. Por essas condições, nos declaramos anticapitalistas. Sem a superação deste sistema explorador e individualista compreendemos que não é possível acabar com a desigualdade e com as injustiças sociais.

Diante desse contexto, nada podemos esperar do Estado, da política representativa e do capitalismo, sob nenhuma faceta ou ideologia que supostamente os guiem. Assim, a FTA surge numa perspectiva antiautoritária, que visa a construção do Poder Popular, na medida em que a emancipação humana só é possível com a luta e superação de todas as formas de opressão.

Entendemos que o Poder Popular é um conceito em disputa dentro das esquerdas. Defendemos esse conceito a partir de princípios libertários que sirvam não só de ideário para a sociedade futura, mas de baliza da nossa luta imediata e ação cotidiana.

Dessa forma, não pensamos o Poder Popular como algo instituído, estatal, centralizado, baseado em estruturas verticais e autoritárias que concentram poder e exercem a dominação; o compreendemos como o resultado diário de organização, mobilização e integração de diferentes lutas a partir de um caráter autogestionário, autônomo, anticapitalista e antiestatista. Entendemos por Poder Popular, portanto, uma estratégia de conquista das nossas reivindicações e de uma transformação na sociedade conforme os princípios que nos orientam.

Rechaçamos a forma de organização dos movimentos que reforçam a verticalidade e repetem as estruturas autoritárias de dominação – com chefes, líderes, comandantes ou comitês centrais que pensam e ordenam, enquanto a base acata. Se desejamos um mundo novo onde não haja alienação no trabalho, nas relações sociais e nas tomadas de decisões, pensamos que precisamos construir espaços horizontais que garantam a participação de todas as pessoas envolvidas com as suas questões. Assim, somos contra toda forma organizativa autoritária e que se proponha vertical e de vanguarda.

Não somos uma iniciativa de caridade ou filantropia. Uma vez que essas iniciativas não desvelam os mecanismos que produzem e reproduzem as opressões, elas servem mais à manutenção do capitalismo e do sistema de dominação do que a sua desconstrução. Somos uma organização que se dispõe à luta por aquilo que entendemos como conquistas imediatas (como a instalação por parte do Estado de saneamento básico ou o reconhecimento legal e regularização de uma área ocupada) ao mesmo tempo em que essas conquistas imediatas mirem para transformações mais profundas na sociedade.

Entendemos que essas conquistas imediatas possuem importância e impactos positivos nas nossas vidas, diretamente afetadas pelas desigualdades. Reconhecemos a necessidade de lutarmos por condições melhores de vida, como saúde, educação, salário, moradia, autoestima e outros fundamentos básicos para a sobrevivência. No entanto, encarar tais conquistas como reformas de governo é um erro. Elas não são benesses concedidas pelo Estado, mas frutos da organização popular e de seus avanços na luta social. As reformas não rompem com a lógica do sistema de opressões e ainda reiteram a manutenção de relações autoritárias; o principal traço dessa condição é a institucionalização, que tem a sua expressão máxima no Estado. Outro problema do conceito de reforma é a possibilidade latente que se constitui numa armadilha para o movimento popular, pois tende a apaziguar as lutas e fazer crer que há alguma possibilidade na conciliação de classes.

As conquistas imediatas devem servir como forma de aprendizado coletivo, visando a ampliação e radicalização das mesmas em sentido crescentemente emancipatório. Desse modo, não acreditamos que as reformas sejam caminhos a serem trilhados. Sendo elas insuficientes para alcançarmos os objetivos a que nos propomos, adotamos uma perspectiva revolucionária: somente uma revolução será capaz de destruir o capitalismo e construir uma humanidade emancipada, capaz de reconhecer nossas singularidades e articular nossas diferenças em decisões coletivas.

E quanto à revolução, não a entendemos como uma grande noite salvacionista. A revolução não é só aquele momento de confrontos violentos e inevitáveis em que o Estado e as forças instituídas de dominação reagem à luta avançada e radicalizada da organização popular. A revolução é um processo, e esse processo revolucionário se dá também (e principalmente) nas práticas cotidianas de resistência, de desconstrução das opressões e construção de novas formas de sociabilidade e organização coletiva. Somente a partir da combinação desses elementos será possível a superação definitiva das relações de opressão e exploração em busca da liberdade.

Diante desses apontamentos que traçam nossa linha estratégica, fazemos a nossa luta no campo comunitário, que se dá prioritariamente nos espaços urbanos e rurais cujos moradores e moradoras estão precarizadas pelo capitalismo e pelas demais opressões, em maior ou menor medida. A FTA surge onde as consequências da desigualdade econômica, social e política são mais evidentes, sendo aí justamente o foco de nossa atuação: contribuindo no desvelamento e combate das origens de grande parte do sofrimento humano, ao mesmo tempo em que criamos novas relações de organização social, política e econômica. É no agora que construímos o amanhã.

Por serem as desigualdades frutos de um problema estrutural, e não pontual, encaramos a luta comunitária como integrante de um conjunto de lutas contra a exploração e as opressões. A falta de moradia, de terra, de trabalho, os baixos salários, a saúde e educação precarizadas, a violência policial nas periferias, dentre outras tantas injustiças que existem na sociedade, são frutos das mesmas estruturas de dominação que colocamos há pouco (capitalismo, Estado e as variadas opressões que neles se reproduzem). Entretanto, ressaltamos, uma vez mais, o fato de que a abolição do Estado e do regime de acumulação de capital é fundamental, mas não suficiente para atingir integralmente nossas metas: a luta comunitária é, necessariamente, atravessada pelas forças do feminismo, do anti-racismo, da anti-homofobia, da anti-transfobia e do anti-autoritarismo em geral, em todos os seus flancos. Desse modo, nos associamos com outras lutas e movimentos sociais, buscando ampliar a força de conquista das reivindicações imediatas, ao mesmo passo em que construímos uma organização popular ampla, autônoma e pela base, com força e vontade de superar fatores comuns de injustiça e opressão.

Em suma, a FTA – Frente Terra e Autonomia – se constitui enquanto uma organização social revolucionária que busca a emancipação humana, atuando com esse propósito no campo comunitário. Compreende a terra e o território como necessidade básica de todo ser humano e pressuposto da autonomia de qualquer comunidade. É da terra que provém a vida, e é com autonomia que comunidades se constroem. É através da transformação das relações sociais entre as pessoas, e entre essas e a terra, com base nos princípios que nos guiam, que se faz possível o alcance de nossos objetivos.

Lutar, Criar, Poder Popular!

Frente Terra e Autonomia, Maio de 2015

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